quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Dossiê: Passageiro do Chapéu de Feltro

Localidade: São Tomás/SB. A cidade se localiza no interior do Estado, a sudoeste, construída no centro de um vale rodeado por colinas com pastos para o gado. População: aproximadamente 100 mil habitantes.
Data: os eventos aqui narrados ocorreram durante todo o ano passado, porém a data do evento fatal foi determinada como 22 de dezembro daquele ano.
Vítima: Carlos de Almeida Barros, vulgo “Carlão do táxi”, 31 anos, 1,77 metros de altura, 86 quilos, solteiro, taxista, natural de São Tomás/SB.
Acidente: o veículo dirigido pela vítima, utilizado para o trabalho, foi encontrado no precipício a norte da cidade, em 26 de dezembro passado. Encontrava-se totalmente retorcido, indicando a queda. O corpo da vítima encontrava-se no assento do motorista, porém a cabeça foi encontrada a cinco metros de distância do veículo.
Na vegetação que cobre a beirada do despenhadeiro, constaram-se sinais de frenagem brusca, com as marcas dos pneus bem visíveis, compatíveis com o veículo dirigido pela vítima.
No veículo foi encontrado, além do corpo da vítima, alguns pertences pessoais e um chapéu de feltro preto no banco traseiro.
A causa de morte foi determinada pelo legista como sendo infarto agudo do miocárdio. A cabeça se separou do corpo devido ao tranco que o veículo sofreu quando alcançou o chão do precipício, embora isso não seja comum. Havia algumas pegadas ao lado do veículo, com padrão estranho.
A polícia deu por encerrado o caso, declarando que foi um acidente, no qual Carlos teve um ataque cardíaco enquanto dirigia, perdeu o controle do veículo e caiu do precipício, vindo a óbito. Quanto às pegadas supuseram que eram dos próprios socorristas.
A minha conclusão: participei das investigações, de todas as etapas e algumas coisas não batiam, portanto não considerei o caso encerrado e passei a realizar novas investigações por conta própria.
Adiante todos os fatos que pude apurar, bem como minha conclusão.
Sobre a vítima
Carlos era um rapaz comum, começou a trabalhar de taxista aos 25 anos de idade, era sempre muito alegre e cortês com seus clientes. Seu sonho, segundo a família, era ser dono de uma frota de táxis, para tanto não poupava esforços, trabalhando muito, inclusive dobrando turnos.
É bom esclarecer que em São Tomás os táxis funcionam como lotação até às 21 horas, após tal período cobram pela quilometragem, o que deixa o serviço um pouco mais caro. Carlos gostava de trabalhar exatamente nesses horários, pois seu rendimento era maior.
Durante o ano que se passou, foi-lhe ofertado o ponto que ficava em frente ao cemitério da cidade. Isso porque nenhum taxista da frota gostava de pegar aquele ponto à noite. O povo do interior é muito supersticioso em relação a essas coisas, e temem o cemitério devido às histórias de assombração, espíritos, fantasmas e maldições. Para aceitar o ponto, o dono da frota ofereceu um aumento a Carlos, bem como uma porcentagem extra pelas corridas, como pude comprovar em contado com a empresa de táxi.
Carlos iniciou seu trabalho no ponto e tudo correu bem até o fatídico dia, ou melhor, noite.
Fatídica noite
Tudo que escrevo a partir de agora consegui apurar em conversas com os cidadãos de São Tomás, além de deduções por mim feitas a respeito dos fatos.
Em 20 de dezembro passado Carlos iniciou seu turno às 18 horas em ponto. Era uma sexta-feira, noite na qual, normalmente, havia várias corridas, já que os beberrões da cidade enchiam os bares próximos ao ponto. Porém, pelo que pude apurar pelo rastreador do veículo, naquela noite em especial, Carlos realizou apenas três corridas, número muito abaixo da normalidade, sendo que a última não se completou.
Após levar para casa um passageiro de nome Ricardo, com o qual conversei, e ele afirma que o “Carlão tava de boa, mas reclamou que a noite tava parada”, Carlos voltou para o ponto a espera de mais um cliente. À 0 hora daquele sábado, 21 de dezembro, um senhor vestido de terno preto bem ajustado e  gravata preta, carregando uma maleta marrom, na cabeça um chapéu de feltro preto, entra no veículo assustando Carlos, que não o viu chegar.
O taxista olha pelo espelho retrovisor o rosto do homem, os olhos encobertos pela aba do chapéu. “Para onde o senhor deseja ir?” indaga o motorista. “Barracão dos Tropeiros” responde o senhor com a voz rouca. Carlos força a memória para encontra o caminho, conhece bem a cidade, porém não se lembra do endereço do tal Barracão. O senhor, percebendo que o taxista não sabia onde se localizava seu destino, antecipa-se e diz para Carlos seguir para o norte.
Alguns minutos depois, segundo o rastreador, precisamente vinte minutos, Carlos faz uma curva à esquerda e segue para a estrada que leva para zona rural da cidade. Segundo as normas da empresa, a zona rural possui bandeira mais cara, devendo o taxista informar ao passageiro e mudar a bandeira no taxímetro, foi o que Carlos faz.
Dez minutos depois ele entra numa estrada de terra à direita da pista, segue mais um pouco e para o veículo. O rastreador registrou uma parada de um minuto e quarenta e três segundos. Carlos indaga o passageiro sobre a localização do Barracão, pois conhece aquele caminho, mas não se lembra de um local com esse nome. O passageiro diz para Carlos continuar, pois ele sabe o caminho. Carlos arranca novamente, os faróis são as únicas luzes que iluminam aquela estrada.
Segundo o rastreador, do ponto em que o veículo parou até o precipício, pela velocidade média em que ele se deslocava, demorou cinco minutos.
O veículo segue mais um pouco, Carlos está desconfortável com a situação, olha pelo retrovisor e vê pela primeira vez os olhos do passageiro, eram olhos inteiramente vermelhos, um sorriso aterrador surge na face do senhor. Carlos sente o coração palpitar. O passageiro coloca a mão no ombro do taxista. Carlos sente um dor no peito e nas costas, seus braços travam, ele vê o fim da estrada se aproximando, porém não tem controle sobre seu próprio corpo. No banco traseiro o passageiro ri a gargalhada do demônio. Num esforço sobreumano Carlos consegue pisar no freio, porém já era tarde.
O veículo despencou de uma altura de aproximadamente 50 metros, veio batendo na rocha, até impactar no fundo do precipício, impacto que fez a cabeça de Carlos se desprender do corpo? Acredito que não. O passageiro para de rir após o veículo parar de capotar. Tira o seu chapéu e deixa no banco traseiro, expondo sua cabeça deformada, afundada na têmpora, uma leve linha de sangue escorre pela sua face. Sem nenhum arranhão saí do veículo e abre a porta do motorista. Vai até Carlos e segura a cabeça do taxista com as duas mãos. Com força sobrenatural arranca-a do tronco da vítima e a atira a alguns metros.

Conforme pude apurar posteriormente, naquela localidade ficava um Barracão de dança nos anos 1920, chamado vulgarmente de Barracão dos Tropeiros. Tal estabelecimento fechou em 1928 devido a uma chacina que ocorreu no local. Contam os arquivos dos jornais da época que um senhor, vestido de terno e gravata preta, usando um chapéu de feltro preto entrou no estabelecimento em busca de sua esposa. Vendo-a no meio de um grupo de taxistas, enfureceu-se e sacou uma arma da maleta que carregava. Acabou por matar cinco taxistas antes de ser acertado na têmpora pelo dono do estabelecimento. Antes de morrer jurou retornar e matar todos os taxistas que conseguisse.

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