segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Aconteceu em São Tomás

Chovia torrencialmente quando o meu celular tocou. Era Tiago, amigo meu de longa data. Atendi de imediato apesar da hora avançada.

- Davi!? - Tiago gritou meu nome no outro lado da linha, a chuva batendo em algum metal fazia sua voz ficar abafada e distante.
- Oi Tiago, tudo bem?
- Tudo - respondeu ele automaticamente, mas depois se retificou - quer dizer, não, não estou bem! Preciso de sua ajuda!
- O que aconteceu? - perguntei já levantando da cama e procurando meus óculos.
- Meu carro quebrou numa estrada, perto da Fazenda dos Leiteiros, venha me buscar! - disse ele, comecei a perceber uma agonia crescente em sua voz.
- Tudo bem, já vou, mas o que houve? – fui colocando uma calça jeans, jaqueta, e sapatos.
- Então, eu estava passando por aqui quando meu carro parou sem motivo nenhum – a sua voz ficava mais ansiosa a cada minuto.
- Mas por que você está tão nervoso assim? – já estava entrando em meu carro – tenha calma, deve ser algum defeito simples.
- Não é por causa do carro que estou assim Davi! – ele inspirou profundamente durante alguns segundos – tem algo lá fora! – sussurrou.
- Como assim Tiago? – indaguei já saindo com meu carro da garagem – Tiago? Alô? – a linha havia caído.

A chuva forte me impedia de ir muito rápido. O para-brisa embaçava devido à chuva, liguei o ar do motor, porém não adiantou muito. As ruas estavam desertas, vez ou outra encontrava algum veículo nas ruas. Segui rumo à Fazenda dos Leiteiros, ficava logo na saída da cidade, porém naquela região havia muitas estradas vicinais que eu não conhecia.

Durante o trajeto tentei ligar novamente para Tiago, porém sempre dava caixa postal. Lembrei que os dados do meu pacote de internet estavam desligados, pois em casa utilizo o wi-fi da internet de lá, apertei o ícone que ligava os dados, demorou apenas alguns segundos e algumas mensagens de Tiago começaram a chegar.

- Estou sem sinal
- Venha logo
- Tem alguma coisa lá fora
- Davi?
- Tiago
- Já estou a indo
- O que é? Algum bicho?
- Não sei
- Não consigo ver
- Estou com medo
- Fique no carro
- Animais não abrem a porta
- Tranque as portas
- Ok
- Venha rápido
- Estou na estrada atrás da fazenda
- Já chego

Acelerei um pouco mais. Estava com medo de acontecer algum acidente, porém a sensação de urgência cresceu dentro de mim. Tiago não era uma pessoa medrosa, realmente algo devia estar acontecendo.

Visualizei o letreiro da fazenda. Era um retângulo branco luminoso, continha um desenho de uma vaca sorridente carregando um balde de leite, por trás um celeiro vermelho. Passei pela entrada da fazenda, diminuí a velocidade e virei a primeira à direita. Era uma pequena estrada de terra em que não dava para dois carros passar ao mesmo tempo. A lama fez meu carro derrapar algumas vezes, tive que ir com mais calma. De repente meu celular vibra.

- Davi
- Este bicho tentou abrir minha porta
- Tenho que sair daqui
- Calma, estou chegando
- Como assim?
- Ele foi para o mato
- É minha chance
- Estou saindo
- Não
- Espere Tiago
- Tiago?

Tiago não visualizou minhas últimas mensagens. Fui forçado a tentar ir mais rápido, porém a estrada não colaborava. Andei alguns quilômetros e vi uma entrada à direita, devia ser a rua em que Tiago estava, virei. Era também uma estrada de terra, porém tinha alguns cascalhos, facilitando a aderência do carro, pude acelerar mais.

Algum tempo depois encontrei o carro de Tiago. Os faróis estavam acesos, a porta do motorista estava aberta, mas ele não se encontrava lá. Estacionei meu carro ao lado, abaixei o vidro e olhei para dentro de seu veículo. Não havia nada ali, apenas o banco sendo molhado pela chuva sem trégua e seu celular abandonado. Por trás do veículo as árvores se mexeram, olhei pensando que poderia ser Tiago, porém nada apareceu. Comecei a sentir uma sensação ruim, de ser observado por algo maligno. Esforcei-me para continuar encarando a mata. Dei um pulo e um grito de susto quando Tiago pareceu na frente de meu carro, batendo no capô.

Correu para a porta do passageiro e entrou, estava todo molhado, o rosto expressando desespero.

- Acelera Davi, vamos rápido, rápido!
- O que está acont... – antes de poder terminar minha pergunta um vulto passou pela frente de meu carro. Percebi algo passando com minha visão periférica. Virei o rosto, mas nada estava ali. Tiago travou sua porta, e foi bem a tempo, um segundo depois a coisa veio para sua porta e mexeu na maçaneta, tentou abrir.

Não conseguíamos ver seu rosto pela janela, era bem alto, devia ter dois metros e vinte centímetros de altura, corpo magro de cor azulada, quase cinza, braços e pernas mais finos ainda e bem extensos. Como não conseguiu abrir a porta, bateu com uma das mãos em cima do carro, fazendo o teto afundar um pouco. Automaticamente acelerei o veículo buscando deixar aquilo para trás.

Institivamente olhei pelo retrovisor, embora a chuva atrapalhasse um pouco a visão, pude distinguir um pouco sua imagem. Era um ser hominídeo, de aspecto repugnante, seu rosto não possuía boca ou orelhas, seus olhos eram duas bolas grandes vermelhas, dando a sensação de espanto, suas narinas eram apenas dois pequenos pontos logo baixo dos olhos, no centro do rosto. Um segundo depois, ele não estava mais ali.

Um segundo depois ele estava a cinco metros de distância à frente do veículo. Tiago gritou ao meu lado. Eu apenas firmei minhas mãos no volante e acelerei o máximo que pude. O motor exigia a troca de marcha, porém eu não pensei em nada. Focalizei no rosto daquele ser, seus olhos grandes deixavam escapar algo assustador, se ele tivesse uma boca com certeza estaria mostrando os dentes. Ele tentou saltar, porém ainda assim sua perda direita foi atingida em cheio, ele caiu por cima do carro, estilhaçando o para-brisa e o vidro da minha janela, afundou um pouco o teto logo acima de minha cabeça.

Continuei acelerando e escutei seu corpo deslizar por cima do carro e cair na lama logo atrás. Pelo retrovisor vi a criatura se levantando, porém já não contava com a perna direita. Deu um urro como se estivesse logo no banco traseiro e era um urro de raiva, em seguida pulou para dentro da mata. Tiago me indicou uma saída à direita que nos levou para a pista asfaltada. A chuva batia em nossos rostos, encharcava nos corpos. Meus óculos estavam embaçados e constantemente tinha de limpá-los, porém em nenhum momento parei o carro.


Nos dias seguintes coisas esquisitas passaram a acontecer em nossa cidade. Porém somente Tiago e eu sabíamos o que realmente estava acontecendo. Decidimos ficar calados, pois as pessoas pensariam que éramos loucos, aliás, eu mesmo achava isso. Antes de contarmos tudo, teríamos de reunir provas, e era exatamente isso que íamos fazer...

Nenhum comentário:

Postar um comentário