Chovia
torrencialmente quando o meu celular tocou. Era Tiago, amigo meu de longa data.
Atendi de imediato apesar da hora avançada.
- Davi!? - Tiago gritou meu nome no outro lado da linha, a chuva
batendo em algum metal fazia sua voz ficar abafada e distante.
- Oi Tiago, tudo bem?
- Tudo - respondeu ele automaticamente, mas depois se retificou -
quer dizer, não, não estou bem! Preciso de sua ajuda!
- O que aconteceu? - perguntei já levantando da cama e procurando
meus óculos.
- Meu carro quebrou numa estrada, perto da Fazenda dos Leiteiros,
venha me buscar! - disse ele, comecei a perceber uma agonia crescente em sua
voz.
- Tudo bem,
já vou, mas o que houve? – fui colocando uma calça jeans, jaqueta, e sapatos.
- Então, eu
estava passando por aqui quando meu carro parou sem motivo nenhum – a sua voz
ficava mais ansiosa a cada minuto.
- Mas por
que você está tão nervoso assim? – já estava entrando em meu carro – tenha calma,
deve ser algum defeito simples.
- Não é por
causa do carro que estou assim Davi! – ele inspirou profundamente durante
alguns segundos – tem algo lá fora! – sussurrou.
- Como assim
Tiago? – indaguei já saindo com meu carro da garagem – Tiago? Alô? – a linha
havia caído.
A chuva
forte me impedia de ir muito rápido. O para-brisa embaçava devido à chuva,
liguei o ar do motor, porém não adiantou muito. As ruas estavam desertas, vez
ou outra encontrava algum veículo nas ruas. Segui rumo à Fazenda dos Leiteiros,
ficava logo na saída da cidade, porém naquela região havia muitas estradas
vicinais que eu não conhecia.
Durante o
trajeto tentei ligar novamente para Tiago, porém sempre dava caixa postal.
Lembrei que os dados do meu pacote de internet estavam desligados, pois em casa
utilizo o wi-fi da internet de lá, apertei o ícone que ligava os dados, demorou
apenas alguns segundos e algumas mensagens de Tiago começaram a chegar.
- Estou sem
sinal
- Venha logo
- Tem alguma
coisa lá fora
- Davi?
- Tiago
- Já estou a
indo
- O que é?
Algum bicho?
- Não sei
- Não
consigo ver
- Estou com
medo
- Fique no
carro
- Animais
não abrem a porta
- Tranque as
portas
- Ok
- Venha rápido
- Estou na estrada atrás da fazenda
- Já chego
Acelerei um
pouco mais. Estava com medo de acontecer algum acidente, porém a sensação de
urgência cresceu dentro de mim. Tiago não era uma pessoa medrosa, realmente
algo devia estar acontecendo.
Visualizei o
letreiro da fazenda. Era um retângulo branco luminoso, continha um desenho de
uma vaca sorridente carregando um balde de leite, por trás um celeiro vermelho.
Passei pela entrada da fazenda, diminuí a velocidade e virei a primeira à
direita. Era uma pequena estrada de terra em que não dava para dois carros passar
ao mesmo tempo. A lama fez meu carro derrapar algumas vezes, tive que ir com mais
calma. De repente meu celular vibra.
- Davi
- Este bicho
tentou abrir minha porta
- Tenho que
sair daqui
- Calma,
estou chegando
- Como
assim?
- Ele foi
para o mato
- É minha
chance
- Estou
saindo
- Não
- Espere
Tiago
- Tiago?
Tiago não
visualizou minhas últimas mensagens. Fui forçado a tentar ir mais rápido, porém
a estrada não colaborava. Andei alguns quilômetros e vi uma entrada à direita,
devia ser a rua em que Tiago estava, virei. Era também uma estrada de terra,
porém tinha alguns cascalhos, facilitando a aderência do carro, pude acelerar
mais.
Algum tempo
depois encontrei o carro de Tiago. Os faróis estavam acesos, a porta do
motorista estava aberta, mas ele não se encontrava lá. Estacionei meu carro ao
lado, abaixei o vidro e olhei para dentro de seu veículo. Não havia nada ali,
apenas o banco sendo molhado pela chuva sem trégua e seu celular abandonado.
Por trás do veículo as árvores se mexeram, olhei pensando que poderia ser Tiago,
porém nada apareceu. Comecei a sentir uma sensação ruim, de ser observado por
algo maligno. Esforcei-me para continuar encarando a mata. Dei um pulo e um
grito de susto quando Tiago pareceu na frente de meu carro, batendo no capô.
Correu para
a porta do passageiro e entrou, estava todo molhado, o rosto expressando desespero.
- Acelera
Davi, vamos rápido, rápido!
- O que está
acont... – antes de poder terminar minha pergunta um vulto passou pela frente
de meu carro. Percebi algo passando com minha visão periférica. Virei o rosto,
mas nada estava ali. Tiago travou sua porta, e foi bem a tempo, um segundo
depois a coisa veio para sua porta e mexeu na maçaneta, tentou abrir.
Não
conseguíamos ver seu rosto pela janela, era bem alto, devia ter dois metros e
vinte centímetros de altura, corpo magro de cor azulada, quase cinza, braços e
pernas mais finos ainda e bem extensos. Como não conseguiu abrir a porta, bateu
com uma das mãos em cima do carro, fazendo o teto afundar um pouco. Automaticamente
acelerei o veículo buscando deixar aquilo para trás.
Institivamente
olhei pelo retrovisor, embora a chuva atrapalhasse um pouco a visão, pude
distinguir um pouco sua imagem. Era um ser hominídeo, de aspecto repugnante,
seu rosto não possuía boca ou orelhas, seus olhos eram duas bolas grandes
vermelhas, dando a sensação de espanto, suas narinas eram apenas dois pequenos
pontos logo baixo dos olhos, no centro do rosto. Um segundo depois, ele não
estava mais ali.
Um segundo
depois ele estava a cinco metros de distância à frente do veículo. Tiago gritou
ao meu lado. Eu apenas firmei minhas mãos no volante e acelerei o máximo que
pude. O motor exigia a troca de marcha, porém eu não pensei em nada. Focalizei
no rosto daquele ser, seus olhos grandes deixavam escapar algo assustador, se
ele tivesse uma boca com certeza estaria mostrando os dentes. Ele tentou
saltar, porém ainda assim sua perda direita foi atingida em cheio, ele caiu por
cima do carro, estilhaçando o para-brisa e o vidro da minha janela, afundou um
pouco o teto logo acima de minha cabeça.
Continuei
acelerando e escutei seu corpo deslizar por cima do carro e cair na lama logo
atrás. Pelo retrovisor vi a criatura se levantando, porém já não contava com a
perna direita. Deu um urro como se estivesse logo no banco traseiro e era um
urro de raiva, em seguida pulou para dentro da mata. Tiago me indicou uma saída
à direita que nos levou para a pista asfaltada. A chuva batia em nossos rostos,
encharcava nos corpos. Meus óculos estavam embaçados e constantemente tinha de
limpá-los, porém em nenhum momento parei o carro.
Nos dias seguintes
coisas esquisitas passaram a acontecer em nossa cidade. Porém somente Tiago e
eu sabíamos o que realmente estava acontecendo. Decidimos ficar calados, pois
as pessoas pensariam que éramos loucos, aliás, eu mesmo achava isso. Antes de
contarmos tudo, teríamos de reunir provas, e era exatamente isso que íamos
fazer...
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